Núcleo Memórias do Morro Grande
Realização: Coletivo Memórias do Morro Grande
Entrevista de: Antônio Carlos da Silva Santos (Mestre Toninho Guaraú)
Entrevistado por: Vitor Stalmann
São Paulo, 05 de Dezembro de 2024
Código: NMMG_HV001
Transcrito por: Vitor Stalmann
P/1 — Essa entrevista aqui é uma entrevista de um projeto que vem do Museu da Pessoa, que é um museu que faz história de vida de pessoas e socializa, do que a gente mostrou agora, do projeto que a gente está fazendo. É basicamente isso. Então, isso que está acontecendo é por conta desse apoio, por conta desse número que a gente conseguiu. Sim. Bom, então, obrigado por topar, primeiro de tudo. E aí, só para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, sua data de nascimento e aonde você nasceu.
R — Valeu, manda bala? Bom dia. Meu nome é Antônio Carlos da Silva Santos, nasci dia 9 de abril de 1978, ariano, em abril, e nasci no Hospital da Freguesia do Ó.
P/1 — Bom, qual o nome dos seus pais?
R — Meu pai se chama Uracy Jorge Moura Santos, chamavam muito ele de Juraci no bairro. E minha mãe Maria Isabel da Silva Santos, Isabel, a Bebel.
P/1 — Você teve contato com seus avós?
R — Tive.
P/1 — Qual que é o nome deles?
R — Amado, Senhor Amado e a Dona Luzia. E do meu avô, isso daí é da minha mãe, Senhor Amado e a Dona Luzia. Da parte do meu pai, só a Dona Norma, que é referência no bairro do Morro Grande também.
P/1 — E é de onde que eles eram?
R — A minha avó é italiana, a mãe da minha mãe é italiana. E o meu avô é mineiro. Aí lá atrás, lá nos encontros lá atrás, se uniram e tiveram sete filhos, sete filhas.
P/1 — E, bom, me conta um pouco da sua infância lá no Morro Grande?
R — Como eu falei, eu nasci no Hospital da Freguesia Ó. Assim que eu nasci, meu pai e minha mãe não tinham moradia aqui, foram para Juquitiba. Aí ficaram um ano, dois anos e voltaram de novo para José Antonioli, aqui na Brasilândia. Então acho que eu fiquei ali até uns oito anos. Aí eu mudei para a Rua Calcedônia, que é lá embaixo mesmo do Morro Grande. Fui morar na casa da minha avó, que antigamente era um centro. Enquanto eu morava lá em cima, era um centro de Umbanda, a casa da minha avó. A minha avó veio falecer e meu pai decidiu ir morar nessa casa. Foi lá, colocou um tapume lá, onde se separava as imagens. Quando nós moramos lá, tinha as imagens, tinha tudo. Tinha as imagens, tudo certinho lá atrás. Então ele dividiu os cômodos e nós passamos a morar ali na Rua Calcedônia. Eu, Antônio Carlos (o Toninho), a Joice, que é a minha irmã do meio, e a Priscila, que chegou caçulinha, ela chegou novinha. E tinha um barracão na frente, era um quintal grande. O centro era lá atrás e tinha um barracão na frente. Esse barracão na frente, meu tio que morava ali, mas era um bar, tinha uma mesa de snook ali. Aí meu tio passou a morar ali, nessa rua Calcedônia. Eu tenho uma memória bem presente daquele espaço ali, porque por ter sido um centro de Umbanda, a minha avó, todas as pessoas do bairro ali que frequentavam, que eram dali, que frequentavam, alguns moram por ali ainda. Então tem pessoas até hoje, quando eu vou num lugar, eles falam "Pô, caramba, você é neto da Norma, não acredito que você é neto da Norma, nós se conhece faz tempo, você é neto da Norma". E são pessoas que quando eu era novinho, eles estavam lá. Só que foi passando o tempo, a feição foi mudando e eu fui deixando de ver um pouco. Era muito legal lá. Eu não vou saber falar o nome, eu não vou saber falar o nome, mas eu sei que era o centro da Norma. E ia muita gente lá. E tinha mais na rua, né? Tinha da dona Jura, que era na mesma calçada, mas acho que umas quatro casas pra frente. E tinha da dona Cida, que era quase em frente da casa da minha avó. E eu tô pra dizer que eu não sei se as duas eram do centro da minha avó, e depois que a minha avó faleceu, elas abriram os delas. Eu só não sei dizer isso. Mas algumas pessoas já cogitou isso, que elas frequentavam o centro da minha avó, e depois que a minha avó faleceu, elas foram lá e abriram os delas. E minha avó era muito de ação social. Minha avó fazia almoço todo domingo pra comunidade. Eu fui descobrir isso daí faz coisa de dois meses. E é algo que eu tenho o costume de fazer até hoje, que eu gosto de fazer. E eu não sabia que a minha avó fazia isso. A minha avó fazia almoço, fazia doações, ajudava muito as famílias. E eu encontrei um rapaz hoje, ele me informou, uns tempos atrás ele me falou isso daí. "Pô, você tá fazendo o que a sua avó fazia". E eu fiquei muito contente de saber disso daí. Porque eu não sabia, ninguém nunca me falou isso daí. A minha avó fazia almoço pra comunidade, entregava alimento, roupa, dava moradia. Isso na época dela, lá com o recurso que elas tinham. As ruas, a maioria das ruas eram tudo de terra. A Calcedônia, quando eu cheguei, acho que ela tava com asfalto ainda, mas tinha onde é o colégio ali, era um brejão, era um terreno. Aí a Rua 1 já era asfaltada já, e tinha a 11, a do Veiga. Acho que era o Barrão, a Rua de Casa, que era de terra, depois virou asfalto. Mas era muito próximo, porque era muito família ainda, né? Era muito família. Então, aquelas festas antigas de lona, eu lembro, eu tenho muito essa visão. Portão, que colocava lona. Então, era muito presente. Então, a gente da rua, nós da rua, brincavam muito com as pessoas da rua de casa. Nós não tínhamos muito costume de ir em outras ruas, em outros lugares. E pra gente do bairro, por exemplo, eu tinha, quando era moleque, eu tinha os centros que eu escutava aos finais de semana, e tinha o OSEM, que tem até hoje o OSEM lá no bairro. Não vou me recordar o nome. Eu não participei muito, mas tem o OSEM, que é o primeiro OSEM que teve no bairro. Antigamente, ele dava de fundo com a Igreja de Santo Antônio. Santo Antônio? Santo Antônio era na Brasilândia. Na Rua da Padaria, na Rua 2, Maria Nazaro da Silva, tem uma igreja. Bem lá embaixo, bem no cruzamento, cê entrando. Aí, de fundo dessa igreja, o OSEM era ali. Então, o bairro inteiro estava nesse OSEM. Então, a minha geração todo dia estava nesse OSEM. E meu pai nunca foi de me levar no OSEM, minha mãe não me levou no OSEM, mas os meus amigos todos estavam no OSEM. Então, por ter esse OSEM, e meus amigos estarem todos lá no OSEM, eu não saía do OSEM. Só que eu não era frequentador do OSEM, não era matriculado no OSEM, mas eu não saía do OSEM. Eu passava praticamente os meus dias todos no OSEM. E o OSEM me deu uma abertura de visão que ele me mostrou algo que eu amo hoje. Porque o primeiro contato que eu tive com o instrumento foi no OSEM. Primeiro contato que eu tive com instrumento, contato visual, assim. Fui lá, passei lá, vi um rapaz lá batendo, acho que tinha uns sete anos de idade, por aí, seis, sete anos de idade. Eu vi, parei, meus amigos continuam indo, porque eles atravessavam ali, entravam pela igrejinha da nossa parte, saiam na outra rua. Então, nós cortávamos esse caminho assim. Passava por dentro da igreja, do OSEM e saia na rua. Eu parei, fiquei olhando e não quis ir com eles. Voltei e fiquei lá, fiquei participando. Coincidência, uma semana depois, começou os ensaios do Guaraú. Os ensaios do Guaraú. Eu fui... "Ah, eu sei tocar". Nem sabia tocar. Falei pro cara que sabia tocar. Molecão, mas sei tocar. E comecei a estar lá. Comecei a estar presente no bairro, porque o bloco, esse bloco unido do Guaraú, ele surgiu de uma união de um time de futebol do bairro, que eram todos os moradores do bairro, gostavam de jogar futebol, fazer samba, porque onde tem escola era um campo. O EMEI, EMEF, ali na rua 11, pra não confundir, era um campo. Esse campo era o campo do Guaraú. Nesse campo do Guaraú, fizeram o time do Guaraú. Nesse time do Guaraú, fizeram o bloco do Guaraú. Meu pai jogava, meu tio jogava, meu tios jogava, eu era muito novo. Passei pelo exemplo e vi o instrumento. E quando eu tive a oportunidade de ver o instrumento no Guaraú, aí aquilo ali mudou a minha vida, porque eu só queria fazer aquilo ali. Vou pra escola, começa as aulas, era semana de carnaval mesmo, final de ano pra carnaval. Quando vira o ano, começa a escola, eu vou pra escola, quando eu vou estudar, eu tive a oportunidade de ter um professor chamado Marcelo. E na primeira aula dele, ele falou que era de música. E eu fui pra aula dele pra tocar instrumento, com esse rapaz. Aí, começou as aulas, carnaval, eu não consegui desfilar porque eu era muito novo, mas aquilo ali já se tornou parte da minha vida. Quando acabou o carnaval, que vem a parte mais engraçada. Eu e meus amigos da mesma geração, nós ficamos praticamente um ano inteiro fazendo instrumento de lata. E as nossas amiguinhas faziam fantasia, elas colocavam as roupinhas, faziam fantasia, então nós passamos o ano inteiro desfilando em volta do bairro fazendo instrumento. Tinha oito anos de idade, nove anos de idade. Nós tínhamos eu, Alexandre, Tom, Paulinho, Rogério, Perninha, o Du, Luiz, Luiz Carlos, Marquinhos, isso. Aí tinha a Ana, a Ana, a Adriana, a Amanda, a Silvana e a Irene, elas eram as rainhas de bateria. Amigos meus de infância. Todos os dias nós pegávamos antigamente as latas de almôndega, eram as maiores. Então nós cortávamos aquelas ali, lata de óleo fazia e nós passávamos o ano inteiro. E nesse que nós passávamos o ano inteiro, no ano seguinte, um rapaz que sempre víamos nós passando, ele virou mestre de bateria. Toninho. Toninho Paraíba do bairro. Irmão do Dinda, grande compositor do bairro. E ele nos deu a oportunidade de ser a bateria dele. Criança. Aí depois disso daí, cara, por isso que eu sou hoje o Toninho Guarau, porque eu peguei um amor tão grande, porque eu não queria fazer mais nada na minha vida do que querer tocar. E nesse que eu comecei a tocar, o bairro se tornou muito presente pra mim, porque eu não ia pra lugar nenhum, porque pra mim, estar no Morro Grande pra mim já estava o suficiente. Estava o suficiente, porque eu tinha meus amigos, o bairro sempre foi calmo, meus familiares moravam perto, eu tenho família na Rua 12, eu tenho praticamente família na Rua 11, eu tenho família praticamente na Rua 14, eu tenho família na Rua 7, então você vai pegando essas ruas assim, são as ruas que predominam o bairro ali, são as ruas que são mais próximas de todos ali. Então praticamente a minha família, ela é daquele território, é desse território do Morro Grande. E eu não sabia o quão grande que a minha família representava no bairro, minha família acho que foi a primeira ou a segunda família que morou no Morro Grande. A família da minha avó. Eu fui descobrindo essa raiz no bairro. E quando eu passei a fazer parte do Guaraú, eu novinho mais eu já não queria fazer mais nada, nada mais me atraía assim, por exemplo, eu não tinha tempo de fazer coisa errada porque eu só pensava em samba. Amigos meus que estavam no samba já estavam começando e aí eu queria fazer samba, eu queria fazer fantasia, eu queria criar instrumento, eu queria estar fazendo samba, eu queria estar fazendo isso e meu pai passou a ter instrumento na minha casa e meu pai foi ceder os instrumentos dele pro primeiro grupo que teve no bairro, que foi o Grupo 24 Horas Morro Grande, Grupo 24 Horas não sei se você ouviu falar, meu pai forneceu o instrumento pro grupo e aí eu já vi que na minha linhagem era pra me seguir essa vida. Eu devia ter uns 12, 13 anos já. Tô com 46, então você tira aí uns 33 anos aí. Atrás. Era novinho ainda.
P/1 — E como que era a sua adolescência?
R — Samba, futebol e pipa e todas as brincadeiras que tinha da nossa geração. Eu brinquei de todas. Graças a Deus eu tive essa oportunidade de brincar de todas. Bolinha, pião, ajuda-ajuda, mula-mula, todas essas brincadeiras que se você escutasse da minha geração de brincar, eu tive essa oportunidade. Porque eu estudei no João Solimeo, a minha vida praticamente inteira eu estudei no João Solimeo, então meus amigos todos dali, então o que tinha mais era o brincar. E o nosso brincar era isso. E eu falo isso quando eu tinha 15, 16 anos de idade. Diferente de hoje em dia você ter uma vivência com uma criança de 15, 16 anos de idade. Porque eu na minha geração com 15, 16 anos de idade, por mais que eu dê umas andadas, eu parecia criança. Eu me comportava ainda muito como criança. Meus pais ainda eram muito presentes na nossa vida de não deixar fazer as coisas, não deixar fazer isso, policiar, dar atenção, mas você sobe a Rua 13 e você cai no Vega, no campo do Vega, onde tem a fábrica de bloco. A nossa diversão era ir para lá todos os dias, porque tinha trilha. Nós fazíamos trilha lá e tem um canão, não sei se você já chegou a ver, tem um canão lá, você entra no Vega, travessou, você vai começar a subir e tem uma caixa d'água, tem uma caixa que parece uma caixa grandona. Essa caixa grandona, ela deve ter uns 10, 15 metros de tubulação. A gente descia aquele tubo com a água, lá dentro, e quando chegava naquele lá, caía e se segurava para não ir embora. E mesmo assim nós gostávamos de brincar, nós descia o tubo. Descia o tubo, andava tudo lá, e na hora de vir embora, nós descia o tubo, pegava aquela água que vinha da SABESP em cima e descia no tubo. O tubo acho que tinha um comprimento de uns 10, 15 metros, nós descíamos. E tem esse tubo até lá hoje, não sei se eles fecharam, mas era a nossa maior brincadeira ali no bairro. Aí passei a andar em todas as ruas, então nós passamos a ser conhecidos em todas as ruas, porque tinha um campinho da Rua 12, não tem mais, agora é só um caso. Na Rua 12 tinha um famoso campinho da Rua 12, ali se encontravam todos os amigos para jogar bola. Todos, os que do bem, os do mal, os alegres, os tristes, estavam todos lá. Era a referência do bairro. O campo do Vega, o campo da Rua 12 e o campo da Roça. A Roça é onde tem uns prédios lá atrás, descendo a Raulino Galdino, Casa da Cultura, vem descendo e tem uns prédios no lado esquerdo. Então, da Casa da Cultura até o final dos prédios lá, era Roça ali. Era tudo Roça, era tudo mato. E determinada parte ali era como se fosse um milharal. É como se você estivesse vendo um filme nos Estados Unidos, aquele milharal bem gigante, e ele era dividido em partes. E a gente adorava ficar brincando ali. E ficava andando ali, e era natural, os caras plantavam, acho que era cana, não lembro se era cana. Sei que é muito tempo atrás. Eu também tinha 14, 15, 16 anos de idade. E tinha ali. Aí veio primeiro a Casa de Cultura... Não lembro se veio primeiro a Ca... Acho que veio os prédios primeiro. Veio os prédios primeiro e depois veio a Casa da Cultura. Veio os prédios primeiro. Foi tirando os espaços de lazer do bairro. Foi acabando. Foi aí que eu fui percebendo a evolução no bairro. Porque estava aumentando totalmente essa área, porque tinha muita terra, muito mato para se brincar. Tinha muito campinho para se brincar. Então, nós tínhamos muitas coisas para se brincar. Hoje, praças dá para você se contar no dedo que tem no bairro. A não ser a parte que vai se fazer o parque, no Morro Grande, não tem mais área verde ali pra você estar pra você estar vendo. E tinha muito, tinha muito campo. Tinha muita, muito, muito ali. Muito, muito. E onde é a Tomás Rabelo, agora, ela é rua de terra, tem um extra. Tem um extra ali. Aquela parte ali, também na minha infância de brincar muito, ele tinha dois campos e o brejo. Tinha dois campão e o brejo ali. E a nossa onda era ir lá pra ir lá pra ficar pegando aqueles girinos, que fala, né? Hoje, acho que nem vejo mais daí, só em filme, né. Parece uma cobrinha, né. Então, nossa brincadeira era muito ali, também. Ali era o nosso lazer, bastante, no Morro Grande. Porque tinha, né. Hoje não tem mais. Hoje não tem mais, não. Hoje eu vejo que essa evolução que tá tendo no bairro lá, de falar que vai fazer um parque lá mesmo, vai ser muito bom. E todos ali do Morro Grande merecem essa oportunidade. Não que todo mundo inteiro. O mundo inteiro precisa dessas oportunidades, né. Mas eu, como morador do Morro Grande, e vejo em termos de evolução, porque vai estar deixando todo mundo mais próximo, porque eu acho que pra unir totalmente o povo do Morro Grande de novo, é só tendo algo com essa expressão. Não é um evento que vai fazer numa data e acabou. Não é um show que vai fazer também lá embaixo, como se fosse um evento e acabou. Eu acho que pra minha geração pra cá, e ter oportunidade de viver um parque no bairro, eu tenho certeza que vai unir muitas pessoas. Vai dar oportunidade de pessoas que mais de 20 anos que não se vê. Porque um dia vai estar andando no parque lá e vai ver. Eu sou morador até hoje do Morro Grande, só que eu não moro lá embaixo. Eu moro no Tijolinho. No Tijolinho. Então, eu só saí dali e morei até os 26 lá embaixo e moro 20 anos na parte de cima do Morro Grande. E eu tenho o costume, sou mestre de bateria do Guaraú, então eu estou todo mês lá embaixo no Guaraú. E tem amigos meus que é morador de lá até hoje que eu fiquei 10 anos sem ver. O cara não sai de casa. Casa, trabalho, casa, trabalho. Ele fala que não tem vontade de ir no bairro porque não tem mais nada. Então, se tem um parque e ele casado e tem um filho, eu não vou ficar mais 10 anos sem ver ele. Ele não vai ficar mais 10 anos sem ver, 5 anos sem ver um outro amigo. Ele vai pegar um final de semana que ele não vai precisar ir longe, ele vai sair andando da casa dele, o bairro vai subir e vai todo mundo se encontrar de novo. Eu acho que vai ser uma grande evolução no bairro do Morro Grande porque o povo ali o povo ali, eu acho que eles são muito bairro. Quem mora ali, não sai dali. Não sai dali. Assim, com facilidade. A não ser se ele passar muita dificuldade mesmo e a necessidade faz ele ir para algum lugar. Mas caso contrário, você pode ver que o quadro de moradores lá não muda se você for daqui dois anos, três anos, quatro anos, cinco anos, dez anos. É o mesmo quadro de moradores do bairro.
P/1 — O que você acha que unia mais as pessoas antigamente?
R — No bairro, era o OSEM, era os times de futebol. Era o bloco de escola de samba Unidos do Guaraú. As quermesses. As quermesses deixavam todo mundo próximo porque a quermesse chegava já no período de… virava o ano, as pessoas já estavam comentando como poderia ser a quermesse. Ou na metade do ano como poderia ser o carnaval porque você encontrava as pessoas. Vocês se viam mais, as feiras, até a feira é menor no bairro hoje. A feira pegava lá do Morro Grande e ia até a Rua 7, lá embaixo. Hoje a feira não vai nem a Rua 9, que é a última rua antes de virar. Então você vê que a feira não tem 50 metros de feira. Porque era uma feira extensa. Então era tudo detalhes da geração que tinha mais e unia as pessoas. Porque se nós ficássemos sem se ver durante a semana, com certeza no sábado nós se vimos. Tinha feira. Todo mundo descia, carrinho de rolemã. Eu andava com o carrinho de rolemã. Eu e meus amigos fazíamos uma caixa, um caixote, aqueles braços aqui assim, patinete, como se fosse um triângulo com as rolemãs. Ia lá carregar a feira. Ganhava um troco e deixava a feira na casa das pessoas. Era o Uber. Hoje é Uber, né? Hoje é Uber, né? Carrinho de rolimã, de madeira, fechado. Tinha oportunidade de ver todos do bairro. Todos, todos. E a minha memória é bem presente quanto a todos do bairro. Porque se eu não vejo a pessoa que é da mesma, eu consigo identificar um filho. Parece que é filho de fulano de tal. Às vezes eu estou lá no bairro, fazendo o ensaio do bloco, aí chega um, chega outro. Um está quietinho, outro está dando trabalho. Aí eu vou naquele que está dando trabalho e eu falo "Caramba, você parece ser filho do João". Ele já... [faz cara de surpreso] Por quê? Porque eu tive essa oportunidade de ver a raiz dele. Ver a árvore genealógica dele. Então eu consigo ver no semblante dele de quem ele é parente. Quando a pessoa que chega lá, qualquer um vai ser qualquer um pra ele. E as pessoas, hoje em dia, de lá, pelo tempo que está se vendo, às vezes passa direto. Já aconteceu de ver amigos meus de infância e eles passar direto. Enquanto eu vejo muitos, falam "Pô Toninho, você não mudou nada. Você é o mesmo Toninho de quando era novão. O semblante, o corpo, esse negócio". E eu passar pelo rapaz, ele teve a mudança estrutural dele, mas eu não estou tão igual assim, porque meu amigo de infância não me reconheceu. Passou direto. Ou ele não estava bem, não estava bem pra se expressar, com a cabeça de uma maneira que, mesmo ele me reconhecendo, aquele não era o momento nem de falar um oi, de boa tarde, boa noite, ele passou. Eu falei, caramba. Mas hoje não tem mais, hoje tem os times, tem os times hoje no bairro, mas até isso, hoje os times, muitos atletas são de fora, não são do bairro. Tem o samba, tem o Bloco Unidos do Guaraú. Antigamente, a regra era 700, o Guaraú ia com 1.200. Hoje a regra é 350, hoje é uma briga pra arrumar 200. Porque, em cima de tudo isso daí, muita comunidade ficou com medo também. Para analisar, às vezes, não é nem a falta de uma praça, a falta de um espaço, a falta de um lugar. Às vezes até tem um local que ele se sente bem, mas ele não tem confiança para estar bem mais nesse lugar, em determinada situação. O ponto de ônibus está perigoso, o portão aberto da sua casa está perigoso, se fechar está perigoso, se aberto, então, não precisa nem falar. E como as pessoas do bairro do Morro Grande, muitos, tem muita idade, é mais fácil eles ficarem com mais medo. Eles se trancam mais, eles se fecham mais, aí você vê os filhos, aí os filhos, a maioria, alguns casou, foi embora, só vêm no final de semana, aí você quer encontrar eles, é época de eleição. Porque eles foram embora, mas ninguém mudou de escola para votar, então eles voltam na eleição. No dia da eleição, se você andar lá, se você é do bairro, você andar lá, você encontra pessoas que você fala, é você olhar para a pessoa, você lembrar de um momento, você acaba vendo fases da sua vida em cada rosto quando você vê nessa data, você vê, data comemorativa, como se fosse uma data comemorativa, a eleição. Então, um parque no bairro, hoje, vai tirar isso daí, só a data comemorativa, só a festa, ele vai proporcionar mais, porque eu acompanhei tudo lá do bairro, hoje em dia eu ando em todas as ruas, não sei dizer o nome das ruas, mas eu conheço todas as ruas, desde a Rua 8, a última lá. A primeira casa da Rua 8, eu participei da mudança, eu ajudei a levar o fogão, moleque, do Chiquitinho. Chiquitinho, olha, olha o apelido dele. Hoje tem outro Chiquitinho lá, que é sobrinho dele e carrega o apelido, mas eu ajudei. A segunda casa foi do André, que hoje é da igreja da minha tia Lita, segunda casa, eu ajudei a fazer a mudança, que eles moravam na minha casa, os filhos da minha tia Lita, ela era do centro da minha avó. Ela era do centro da minha avó, e quando eles passaram a dificuldade, ele ficou morando lá em casa comigo, se tornou meu irmão, meu irmão branco, o André Cebola. E quando eles tiveram a oportunidade de fazer a casa, eu ajudei a fazer a mudança da segunda casa dessa Rua 8, que você andou lá e viu o tanto de casa que tem lá hoje. Você vê lá que é mais do que uma comunidade, não sei se alguns vão até sair dali. Eu acho que não, né? Eu ajudei do começo até chegar naquela… Porque da Rua 8, na parte de baixo, que você entra na rua da Feira, pra cá tinha casa, mas tinha limite. Você sobe a Rua 14, tem a primeira... Se você subir a Rua 14, a Rua do Vega, você sobe, do seu lado direito tem uma subida que é como se fosse uma viela grande, uma bem íngreme ali. O pontapé inicial da primeira casa foi ali. Eu tive a oportunidade de fazer isso daí. Então eu consegui ver umas mudanças legais no bairro do Morro Grande. Eu vi a evolução. Onde a escola ali do EMEF era campo, aí do campo agora eu consegui fazer uma quadra ali. Ficou brejo mais pra frente, o Guaraú conseguiu fazer a quadra ali, só que infelizmente o Guaraú veio perder essa quadra. Mas pelo menos eu perdeu pra algo que é de progresso no bairro, virou uma escola. Então ajudou bastante. Não sou contra a moradia. Todo mundo tem que ter sua moradia mesmo, mas se fosse para fazer prédio ali, foi o melhor que fez uma escola. Se fosse para fazer prédio perto da casa dos outros, foi o melhor que fez uma escola. E o Guaraú continuou tendo a oportunidade de fazer seus ensaios ali. Na parte do brejo, se fizeram um CDHU. É CDHU, eu acho que fizeram ali. Legal também, que é a moradia também. Mas tinha tanta gente do bairro ali também que não tinha, mas é uma história que não vai ser que eu vou mudar. Se é assim que o programa é, faz na sul e traz pessoas da leste, faz na leste e leva pessoas da sul, não é eu que vou mudar esse programa. Graças a Deus que tem pessoas que estão morando lá e estão conseguindo dar sequência na sua vida. Mas ali era brejão, nós íamos pegar sapo ali. Nós íamos pegar sapo ali. Nós íamos brincar lá de estilingue, esconde-esconde, polícia e ladrão. Nós brincava tudo ali naquele mato. Era a nossa área de lazer. Porque se nós for numa praça, tem que ir na praça do Morro Grande, mas não é uma praça que dá para você ficar à vontade. Não dá para você ficar à vontade com o seu filho ali, porque aquela praça é uma rotatória, não é uma praça, ela é uma rotatória. Então se você deixar seu filho ali um momento que você tem um desligo, essa rotatória virou uma rotatória triste na sua vida. Então já não é uma praça. Você desce a Rua Sete e ainda tem uma pracinha ali, tem uma praça ali. Aí você já começa a parar para pensar. Onde já tem praça? Já começa a sumir, já. Já não tem mais. Aí a geração fica onde? Na rua. Eles ficam tudo na rua. Não tem praça, mas está cheio de adega. Eles ficam onde? Eles ficam na adega. Tem bastante igreja? Tem, mas é uma geração totalmente diferente que vai. O bairro tem bastante também. Também você vê que é uma geração bem diferente, mas você vê as adegas do bairro, é tudo lotado. E se você for ver a base das idades lá, é tudo essas crianças que nós gostaríamos de ver na praça. Que nós gostaríamos de ver brincando. Hoje a única brincadeira que é viva é o pipa. Acho que a única brincadeira que é viver é o pipa. Eu fiz um aqui na fábrica de cultura com um amigo aqui. Eu fiz... Dia do pião. Rodar pião. Eles não sabiam nem o que era pião. Sabiam que era pião. Bolinha de gude. Eles não sabiam o que era bolinha de gude. Eu tive que ficar ensinando, eu e meu amigo, ensinar eles a rodar pião. E muitos quando viram aquele carro que poderia fazer aquilo ali… E hoje em dia você não tem. Não tem brincadeira. Não tem brincadeira. Tem brincadeira assim... Sobrinho, você com seu sobrinho. Você com seu filho. Se você trabalha com criança, você tem brincadeira. Você vê brincadeira. Você vê brincadeira. Porque hoje em dia eu só vejo os menininhos andando na rua de grupo. Eles só andam de grupo. E os moleques de 6, 7, 8 anos de idade eles só andam de grupo. Eles não andam brincando. Eles andam de grupo. Eles vão pra lá. O que eles querem fazer é o quê? É andar na rua de cima, na rua de baixo, na rua dali. Aí tem uns que é mais esperto, vai lá na padaria, vai lá e pede alguma coisa. Aí consegue uma ajudinha, vai lá e consegue uns pão. Hoje em dia é isso. Eles não vem brincando mais. É raro você passar numa rua e ver eles jogando bola. Eu jogava bola todo dia. Eu estava com o dedão estourado todo dia. Eu estava com o meu dedão estourado todos os dias. Eu jogava bola todo dia. Estudava de manhã, passava o dia inteiro, a tarde inteira jogando bola. Se eu estudasse a tarde, a manhã inteira eu estava jogando bola. Aí a bola só perdi a pro pipa. Opa, é brincadeira da temporada. Porque tinha temporada da bolinha, tinha temporada de rodapião, tinha essas temporadas. Então, eu tinha isso daí. Hoje em dia não tem mais temporada. Não é só no Morro Grande. É geral, mas ainda no Morro Grande a gente consegue ainda fazer algo que deixa eles próximos, porque até a geração de lá, eles não saem de lá, eles não saem de lá.
P/1 — O que você acha que falta para as crianças hoje em dia começarem a ocupar as praças, as ruas e assim por diante?
R — Eu acho que tem que ter projetos, igual tem nos OSEM, mais quantidade, mais espaço físico, mais casa que possa atender, que possa estar atingindo os pais, porque se você for fazer algo para atingir só as crianças, você não vai atingir as crianças, porque eles não vão sentir vontade de ir, mas se você conseguir ter um espaço, por exemplo, vou falar do bairro que eu moro, no Morro Grande, por exemplo, que nós consiga mais dois espaços físicos onde nós possa dar curso gratuito, diversos cursos, só que para ter a frequência dos alunos, tinha que ter algo que enroscasse os pais, um espaço físico para atender os pais, que seja o que tem um psicólogo, que seja uma ajuda na alimentação, que seja em cursos para se trabalhar, pega aquela mãe ou pai que está desempregado em casa, vamos lá, tem um curso ali que você vai fazer um curso, você vai ter uma ajuda de custo nesse curso, ainda de lá você já vai sair empregado, você está investindo no pai e automaticamente você já está investindo no filho, você já está conseguindo fazer alguma coisa e dá para fazer isso daí, se pegar as organizações certas, os negócios, dá para fazer isso daí, porque eu vejo em outros lugares, porque se você só pegar o, "ah não, vai lá no pai, não é o curso gratuito de violão", ele não dá atenção, ele vem e não dá atenção, agora se você consegue enroscar o pai e a mãe, porque tem aquele que o pai e a mãe trabalham, tem que trabalhar, tem que fazer isso, a mãe tem que trabalhar, tem que tomar conta da casa, tem que tomar conta do filho, tem que fazer isso e o pai é o provedor, ele tem que sair, tem que trabalhar, tem que trazer, às vezes a mãe não trabalha para fora, porque tem o marido provedor que traz para dentro de casa, mas o dia dela é mais corrido do que o marido que está do lado de fora, porque ela tem uma ou duas, três crianças que ela tem que fazer aquele corre, então ela precisa de uma válvula de escape, ela precisa de ter aquele momento dela também, nem que seja 40 minutos, que ela sabe que ela vai naquele espaço ali, o filho dela está fazendo o curso, o marido está trabalhando, a casa está suja lá, mas o filho está no curso, o marido está trabalhando, a mulher pegou esses 40 minutos lá, para dar uma relaxada, para dar uma "Quem eu sou? Aí, sou fulano, tá bom, vou para casa, sou fulano, vou fazer isso e isso", porque senão não adianta, eu falo isso porque hoje em dia eu tenho, eu dou graças a Deus de eu ser um arte-educador, e se eu sou um arte-educador é porque eu passei em um OSEM e eu vi um instrumento, esse instrumento me apaixonei e essa minha paixão me fez eu executar todo o dia, fui para a escola, conheci um professor que me levou na música também, me conheceu um instrumento e eu passei a viver isso daí até o período da minha idade, quando chegou numa idade que, 17, 18 anos, na minha geração, 17, 18 anos, você já começa a achar o dono de você, de fazer isso e isso, hoje em dia já com 10 anos já são donos de si, mas na minha geração, com 17, 18 anos, eu já comecei a sentir que eu era mais dono de mim, então eu despreguei, desgarrei um pouquinho do samba, não profissionalmente, eu ia só tocar, então não sentia mais compromisso de ensaiar, não sentia mais pra fazer isso, aí eu comecei a conhecer a vida de eu como homem adulto no bairro do Morro Grande e com as minhas dificuldades, porque tem que trabalhar, eu dei atenção no estudo, mas aí não acabando dando atenção no estudo da maneira que é correta, pra se ter que dar uma continuidade no estudo, pra fazer uma faculdade, isso e isso, porque eu não passo isso pela minha cabeça, porque eu tentei jogar bola e não deu certo, vou fazer curso disso, vou fazer curso daquilo, vou fazer curso disso, curso daquilo, sempre morando no bairro, vou fazer isso e isso, mas só que eu tava fugindo da minha raiz, da minha origem, tava fugindo da minha raiz, da minha origem, e graças a Deus eu percebi em tempo, novo e tive oportunidade, porque eu tava na igreja, eu conversando com o meu pastor e do nada eu falei pra ele que eu queria dar aula de percussão pra criança, eu sentia vontade de dar aula de percussão pra criança gratuito, projeto social, me toca, eu quero dar aula de percussão, eu quero estar nisso daí. No primeiro momento eu não tive um bom retorno dele, porque ele me conhecia, meu íntimo, ele sabia qual era a minha raiz, era de escola de samba, ele sabia que eu vinha da escola de samba, então no início eu não entendi, mas eu tive maturidade de entender, porque pra ele ele imaginou que eu ia dar aula de percussão pra estar conversando com as crianças, não só pelo instrumento, pra estar dando uma direção pra criança, porque eu como filho não gosto de escutar muito o meu pai e a minha mãe, mas eu escuto o pai e a mãe do meu amigo, de outra pessoa, eu escuto com mais atenção, olho até nos olhos do que eu olhava nos olhos do meu pai, porque pra mim era bronca, então você conversa assim com o pai do seu amigo, com a mãe do seu amigo você conversa assim, prestando atenção, então eu gostaria de dar isso daí, aí eu não tive essa oportunidade, só que eu não parei por aí, aí eu fui pra Brasilândia, no Oswaldo Brandão, e tava lá conversando com o meu amigo, eu falei, vou dar aula de percussão, não vou ficar trabalhando mais pros outros, tô chateado com a trabalho, faz custo disso, faz custo daquilo, não muda nada, tô cansado de trabalhar pros outros, vou dar aula de percussão e se Deus me abençoar eu vou seguir na música de novo, e na minha primeira aula veio 30 pessoas, quando eu falei pro meu amigo, meu amigo falou, vamos fazer na quarta-feira que vem, pega os instrumentos, põe aqui no Campo do Fazendinha aqui, e nem divulga, só fala pras pessoas assim, nossos amigos aqui, vamos ver o que dá, e falamos na segunda, na quarta-feira tinha 30 pessoas, falei, caramba, porque as pessoas sabiam que eu fazia samba, eu não sabia que eu conseguiria fazer isso daí, porque pra mim eu era uma pessoa que só tocava samba, sabia fazer samba, mas eu tinha meu nome já que as pessoas conheciam, e quando eu falei que ia fazer isso, foi 30 pessoas que ele fez, eles foram fazer aula, eu não dei aula, eu só conversei, os instrumentos ficam lá no chão, eu falei pra eles que o meu intuito não era só chegar lá pegar os instrumentos e tocar, meu intuito era pegar os mais velhos, meus amigos que tá lá, passar uma visão pra eles, e o mais novo ter um entendimento, porque tem muitas coisas boas no mundo, a não ser só o que eles tão vendo hoje, eles começaram a olhar pra família, e eu fiquei falando de família, fiquei falando pra eles de escola, de trabalho, de vida, e ninguém pediu pra tocar, e todo mundo ficou ouvindo, meu amigo ficou ouvindo, quando terminou, falei: "Família, é de segunda e quarta as aulas, beleza?". Beleza, terminou a aula, meu amigo falou: "Você é louco, você só falou com todo mundo", falei "Cara, se for pra sexta será!". Na segunda-feira tinha 56 pessoas, só semana, na segunda-feira tinha 56 pessoas. "Tá todo mundo preparado pra escutar a conversa de novo?". Todo mundo ficou olhando, tipo, alguns pensam, "Pô, ele vai falar tudo de novo", "Então vamos tocar que eu já falei demais na outra aula". Aí fui lá espalhando aqui "não dá pra tocar todo mundo, olha o tanto de instrumento que tem, não vai ser x, x, x" não vai, meu, na outra aula, cinquenta e poucos, na outra aula, tanto que chegou que não tava comportando, gratuito, e toda a minha aula é uma mini palestra. "Cara, você não vai pra igreja? Dá hora, mas você tem que ter Deus no coração, tem que orar, tem que falar com Deus, conversar com Deus, se direciona, tá com dificuldade, conversa com Deus, então toda vez que você vem fazer aula comigo aqui, eu vou te falar coisas, que se eu sentir legal pra te falar, se eu não sentir, você só vai tocar, mas se eu sentir, eu vou te falar". E nessa eu fui conseguindo manter as aulas, e passou 15 dias, eu fui chamado pra fazer uma apresentação, levar uma bateria, show, em 2016, isso já, recebi uma ligação: "Tô falando com o Toninho?" "É sim, tô falando com o Toninho" "Aqui é o fulano de tal" "Não lembro de você não" "Ô, o seu cunhado me passou o seu telefone, e eu gostaria de fazer uma apresentação, ele falou que você tem uma bateria". Eu não tinha bateria, mas eu tinha uns aprendiz, eu falei assim: "não, eu tenho uma bateria sim, mas qual cunhado que falou?". Hoje ele é finado, meu finado é o Kaká, era o presidente do time do Vida Loka, aí ele foi e falou, "Ô, eu falei, mas aí sua voz não é estranha, cara, eu acho que eu te conheço" ele falou, "ô Toninho, eu acho que eu te conheço também" e tal, não sei o que lá, aí eu fui, marcou o dia tudo certinho, montei o time, peguei meus amigos da antiga, e fui lá no Damaceno, na subida do Morro Diferente, aqui em cima, fui lá fazer a apresentação e cheguei lá, e eu conheci o cara, eu olhei assim e falei, pô, os meninos, foi o cara, conheço aquele cara, ele tava me olhando, mas não sabia que ele era o contratante pra fazer o show, né, aí ele, "pô, conheço você, cara", eu falei, "pô, também te conheço, cara, também eu te conheço", eu falei assim pra ele, assim, "passamos um deserto junto, né", aí ele falou assim, é "passamos um deserto junto" ele "como que pode, né" eu falei "é Deus, cara" ele falou assim "eu precisava de uma bateria, que eu tô entrando no ramo de eventos" e ele me falava uma bateria "porque eu fui orçar as baterias, os caras cobraram 3, 4, 5 mil, e quando eu falei de valores pra vocês, só pediu pra mim o transporte, cerveja pra quem bebe e refrigerante pra criançada" e o transporte é meu, eu não gastei nada, e o que era pra gastar com 3, 4 mil com as outras pessoas, tá tendo churrasco de graça pra todo mundo aí, só a bebida do barco não vai ser lá, eu falei, é, "então vamos caminhar", e foi a primeira vez que eu montei uma bateria na minha vida, bateria pra tocar mesmo, eu como mestre ali na frente da bateria, 2016, levei meus amigos, levei meus aprendizes, e lá eu conheci um outro rapaz que falou assim: "você precisa ir na Fábrica de Cultura, tem criança aí, se você for pras crianças ficarem sentadas, ficou todo mundo sentado, se você for pros adultos ficarem ali quietinhos, até a hora da apresentação tá todo mundo lá quietinho, você tá andando pra lá e pra cá, ninguém te segue, ninguém fala nada, ninguém tá tocando, ninguém tá batendo instrumento, tá todo mundo quietinho lá, como você fez isso?". Eu falei assim "eu conversei com eles, nós somos todos, somos amigos, eu não sou o mestre de bateria deles, eu sou um amigo deles, eu não posso ser professor, só professor dos meus alunos, eu tenho que ser amigo dos meus alunos, eu não venho aqui só pra, ou tô aqui, ou outro lugar só pra chegar lá pra falar assim, pra eu bolar uma aula em casa, eu robotizar e chegar aqui, e isso pra eles" aí ele falou "vou te levar na Fábrica de Cultura" aí eu "tá bom". Esqueci, voltei pra minha vida, passou uma semana o mestre, o presidente do Bloco do Unidos do Guaraú, veio chamar pra conversar, mas antes disso, em 2008, voltando 8 anos, 16, 8 anos atrás, o presidente Pedrinho, que era do Bloco do Unidos do Guaraú, me chamou pra ser mestre de bateria do Guaraú, só que eu não tinha essa maturidade pra ser mestre de bateria, então na época eu neguei, aí 2016, passou um tempinho, eu fui convidado pelo novo presidente do Bloco do Guaraú pra mim ser mestre. Meu, eu não tinha estudado, não tinha feito aula nem nada, eu quis dar uma aula gratuita, faço isso até hoje, até hoje eu faço isso, eu fiz pra reunir as pessoas, a geração, pra conversar com eles, comecei a dar aula gratuita pra eles, fui chamado pra uma apresentação, fui convidado pra vir na fábrica de cultura, não vim de imediato, fui convidado pra ser mestre de bateria do bloco, aí eu pedi pra pensar direitinho, e do nada eu me encontrei, como que eu posso falar assim, eu pedi a conta do meu serviço, que eu ia trabalhar, porque tava legal fazer aquilo, aí eu parecia, agora sabe o que eu vou fazer? Minha mãe falou que eu era louco, eu falei, agora eu vou pegar uns dois meninos que sabem comigo, eu vou começar nas comunidades, vou pedir licença lá pra ver se dá pra me dar aula de percussão pras crianças, fazer um social. Gostei. Aí eu comecei a ter amigos que davam cesta básica, fazendo isso daí, e eu desempregado, minha esposa manicure, aí fui recebendo seguro desemprego, até lá eu vou pensando em um emprego, caso contrário acho que eu vou viver essa vida aí, porque como eu disse no início, eu aprendi num detalhe, num OSEM, passou anos, fui chamado duas vezes pra ser mestre de bateria do bloco, do bairro que eu sou raiz, que conduz a minha vida hoje, a minha família foi constituída através do Guaraú, porque eu cresci tocando no Guaraú, o Guaraú me levou pro mundo pra ter oportunidade de tocar nos outros lugares, me levou pras escolas de samba, e no Guaraú eu conheci minha esposa, fui numa aula gratuita, fui fazendo isso e aquilo pra cá. Apesar que eu conheci minha esposa lá atrás, nós estamos há 29 anos casados, eu conheci ela lá atrás no Guaraú, por isso que meu nome virou Toninho Guaraú, gente eu fiz o social, fui pra lá, fui pra cá, não consigo sair do bairro, e quando eu tive a oportunidade de ser mestre de bateria do Guaraú, eu não pensei duas vezes, eu com mais idade, porque eu vi uma oportunidade de eu falar pelo meu bairro, porque se eu fosse só o Toninho do bairro, eu sou amigo de todo mundo, mas eu no Guaraú, eu sou amigo de todo mundo e mais um pouco, porque se mais um pouco me permite a fazer as coisas que eu tenho o costume de fazer, então se eu for fazer só algo social no bairro, só com o meu nome, eu sei que eu vou ter um bom retorno, mas se eu fazer com o Bloco Unidos do Guaraú, que é do bairro, eu tenho um retorno maior, porque eu pego a geração passada e pego a geração de agora, porque se eu for só com a minha, como eu conheci, eu só vou pegar a geração passada, e a geração de agora não me conhece no meu bairro, mas eles conhecem o Guaraú, então isso daí pra mim foi muito bom, então quando eu chego no Guaraú lá hoje, eu como mestre de bateria no bairro do Morro Grande, na rua Calcedônia, onde eu cresci, voltando, eu pegando lá, eu com essa entidade, que é patrimônio no bairro, eu vou em todas as casas, eu bato em porta em porta dos pessoal antes de fazer a ensaio, eu vou passar com a bateria e aí, eles não falam nada, porque eu sou nascido aqui, eles sabem da minha raiz, o barulho incomoda? Incomoda, mas eles não falam nada, mas eles eram lá do bairro também. Então pra mim hoje, eu tendo a oportunidade de falar um pouquinho, misturadamente, do bairro, eu estar no Guaraú hoje, e eu ser morador do bairro do Guaraú, e ver o que está acontecendo lá hoje, eu consigo me sentir importante, igual as pessoas que estão levando o progresso no bairro, porque hoje, se eu posto qualquer coisa na minha rede social referente ao bairro, se eu posto qualquer coisa referente ao Guaraú na minha rede social, se eu vou fazer qualquer coisa no Guaraú lá, eu posto, todo mundo começa a frequentar, pessoas começam a ir, eu vejo pessoas da antiga, que falam assim "não, agora eu vou lá no Guaraú, eu sabia que você estava lá". Estou 4 anos lá. Você vê a pessoa não estava nem ligada mais com nada. Aí você vai na rua de trás, tem o Paulão que tem um podcast lá "opa, do Guaraú? Aí Guaraú" aí Guaraú, Guaraú, Guaraú, aí eu falei "agora eu não sou mais o Toninho, minha vida mudou, agora eu sou Toninho Guaraú, eu tenho que ter uma outra visão". E eu quero levar isso no bairro, eu quero ter a oportunidade de levar isso lá no bairro, eu gostaria muito, muito, para quem estiver ouvindo e estiver assistindo esse vídeo, eu não quero nada para mim, o que eu tenho para mim, Deus já me deu, minha vida, então isso eu sou muito grato, porque ele me deu uma vida, e nessa vida que eu tenho, graças a Deus, eu consigo trazer pessoas para perto, e eu consigo direcionar, então se nós conseguirmos um espaço físico, conseguir algo lá, que possa dar esse atendimento, eu tenho certeza que é bem-vindo, é bem-vindo meu amigo, é bem-vindo, eu vi várias gerações ali, eu vi vários baluartes do samba, Luizinho do Pandeiro, Caveirinha, Geraldinho, Presidente, o time do Guaraú, que é esse boné que eu estou usando aqui, o time do Guaraú, começou aqui, por isso que está na cabeça, começou aqui para estar esse aqui no coração, começou aqui para estar esse, esse é o time do Guaraú, esse é o time do Guaraú, que começou no bairro, esse aqui que é o propulsor, que reúne toda aquela galera, que aquela galera teve a ideia de criar isso daqui, o Bloco Unido do Guaraú. Então, por isso que hoje eu me sinto muito bem tranquilo para falar isso daí, para dizer isso daí, porque se eu tiver oportunidade, eu vejo, porque o time do Guaraú, praticamente é minha família, são todos minha família, eles são meus tios, são pessoas que são bem tradicionais no bairro, se você chegar no bairro lá, se você chegar lá, todo mundo fala deles, porque são pessoas que não mudou do bairro e vivem lutando pelo bairro até hoje, calado, eles não falam nada, eles ajudam o bairro e não falam nada, da maneira deles, então, e é uma coisa que, não sei se eu aprendi com eles, se já é da nossa pessoa, da família, eu fiz, eu faço, no Morro Grande, eu faço o Encontro dos Fuscas, não sei se vocês já tiveram oportunidade de ver, eu faço o Encontro dos Fuscas. Eu não tenho um Fusca. Todo mundo da associação não tem Fusca, mas esse Encontro dos Fuscas, a gente arrecada alimentação, então, está cheio de carro lá e nós conseguimos três, quatro, cinco toneladas de alimento, aí eu tenho oportunidade de levar para crianças com câncer, há várias instituições onde cuidam de crianças, porque muita gente não, tem muita gente que sabe e não sabe, mas tem muita casa de criança com câncer aí, que a mãe é de Minas, que a mãe é de Pernambuco, que a mãe é de lá, que ela parou a vida dela lá e está alojada numa casa aqui, ela não tem recurso nenhum, não dá para ela arrumar um emprego, porque se ela arrumar um emprego, ela não cuida do filho. Então ela vive de doação, então todo ano eu faço esse Encontro dos Fuscas e pego a quantidade de alimento, eu vou lá e levo, conheci a pessoa assim do nada também, eu falei "não, vamos fazer" "mas vocês não querem não?" "não quero nada não. Se você quer ajudar, se você quer ajudar o Bloco do Guaraú, se você quer ajudar nossa instituição que é a associação" "ah Toninho, eu vou te mandar a X lá, manda o pix" "eu não quero, eu não estou negando a sua ajuda, mas eu prefiro transformar esse dinheiro que você vai ceder para nós em alguma coisa". "Meu amigo, dá quanto a cesta básica que você vai me fortalecer?" "Ah Toninho, dá tanta cesta básica" "Então vamos pegar? Nós ajuda a família ali" "Eu vou fazer o evento das crianças ali, que dá para me ajudar?" "Eu vou fazer o pix para você lá" "Não, dá para pegar quantos brinquedos, brinquedos esse pix você vai fazer?" "Ah Toninho, eu fiz a conta que dá para pegar três brinquedos, você pega três brinquedos e põe lá?" Porque você fechou com a pessoa, marcou tudo certinho e você fechou comigo, então nós vamos colocar lá, "Toninho, quatro horas eu estou passando aí". Quatro horas você está passando lá, só curtir, foi, eu gosto de trabalhar com esse método e está dando certo, por isso que nós temos bastante pessoas que ajudam a gente no bairro, bastante pessoas, a gente fazia uma das maiores festas que tinha lá das crianças. Nós demos uma acalmada, nós demos uma acalmada porque começou a desviar o pensamento, eu comecei a cortar porque começou a desviar o pensamento, porque eu vou falar para você, se você encontrar uma empresa hoje que quer te ajudar, é maravilhoso você encontrar uma empresa hoje para te ajudar, mas se você não tiver com ela fechado direitinho, aquilo ali não vai ser uma ajuda, vai ser uma dor de cabeça, então para você não ter dor de cabeça, você continua do jeito que está, qual que é o jeito que está: "Você quer me ajudar? Traz isso, traz aquilo". Que assim aquele que está no conjunto vai continuar vendo a mesma coisa e vai ver que não está entrando algo que muda a estrutura, que infelizmente quando tem X dependendo, muda a estrutura, porque se é aquela pessoa que está correndo para caramba, igual estava correndo com todo mundo, está todo mundo correndo aqui fechado nesse elo e ele viu que está tendo alguma coisa, infelizmente tem vaidade, eu falo porque eu passei por isso, tem muita vaidade nesse negócio, então se você está perto de pessoas boas, que está andando legal desse jeito, então deixa desse jeito, não quebra corrente, então a Associação Vila Progresso que eu faço parte, que é do Morro Grande, o Bloco Unidos do Guaraú, que é do Morro Grande, eu que sou do Morro Grande, tenho a oportunidade de conhecer, não sei se é todos, porque aí vai ser muito ego, falar que conheço todos do Morro Grande, mas eles sabem quem eu sou, eles sabem da família que eu sou, a origem que eu sou, meu pai é bem conhecido, minha mãe é bem conhecida, minha família é bem conhecida, então eles sabem, porque assim, se eu pego para andar a pé lá no bairro lá do Morro Grande, lá é maravilhoso, porque você é a mesma pessoa. "Você tem que ser deputado, tem que ser, cê conhece". Porque, por exemplo, eu trato bem, então se você trata bem, é recíproco, trata bem, eu tenho até hoje, é costume do meu pai, da minha mãe, é licença aqui, posso, muito obrigado, Deus te ajude, são até palavras difíceis de se ouvir hoje, em determinados lugares, mas eu pego pessoas que vê isso daí com idade e mais novas, então se eu for no estabelecimento dela de novo, se ela acabou de alugar qualquer padaria, qualquer espaço lá no bairro, se eu entrar uma vez no estabelecimento dela e eu for lá de novo, eu sei que vai ser recíproco a recepção, porque é do jeito que eu passo para eles, e eles acabam, outra pessoa lá perguntando, falar: "fulana, ah é morador aqui do bairro". Eu já ajudei bastante ali assim, porque para mim fazer os negócios do Morro Grande ali, eu tenho amigos de infâncias que foi para a esquerda, que foi para a direita, foi para o centro e que decolou, então os meus amigos que preferiu a esquerda, vamos falar assim, a esquerda, eles cresceram e continuam na mesma linha de raciocínio lá. Então para mim fazer meus projetos lá, eu tive que falar com eles, e teve pessoas que tentou falar com eles, não teve a mesma audição, porque não soube conversar com eles, quis ir um pouco com eles, eu sou amigo deles também, eu apenas falei para eles que estava faltando o que nós tivemos na nossa infância, eles abriram a porta, então se eu pegar qualquer rua do Morro Grande ali, desde a 11, 13, 14, 15, 16, tiver numeral lá, graças a Deus a gente consegue fazer qualquer tipo de atividade lá, e as pessoas chegam lá: "Quem tá fazendo?". "É o Toninho Guaraú". Porque graças a Deus nós construímos isso lá no bairro e o samba fez muito isso, não tem como negar, então muito isso, Guaraú fez muito isso, Guaraú me deu, hoje eu vejo que o Guaraú me deu a pessoa que eu sou, me deu a esposa que eu tenho, me deu os filhos que eu tenho, me deu essa profissão que eu tenho, e está me dando essa vida que eu tenho, que foi todos esses aprendizados, eu não consegui, por mérito meu, e não saí do bairro para aprender muitas coisas. Tudo que eu aprendi no meu bairro, que não era no Morro Grande ou era no Fazendinha, na Brasilândia. Então era só assim, era sair daqui para cá, Morro Grande, Fazendinha, Osvaldo Brandão lá, Morro Grande, Fazendinha, Osvaldo Brandão Brasilândia. Então esse percurso aí, que foi me dando raiz, que foi me dando sequência no bairro, que quando eu tive a oportunidade de passar da ponte, graças a Deus eu cheguei com o pé sólido do lado de lá, eu saí com o aprendizado de raiz do bairro do Morro Grande, bem forte, graças a Deus, bem forte hoje, graças a Deus, transformei para o Toninho Guaraú, porque eu ia ver nos lugares, as pessoas não me chamavam mais de Toninho, me chamavam de Guaraú, então não vou tirar o meu Toninho, porque foi o Toninho que fez o pontapé inicial, e eu vou colocar o Guaraú junto, porque é verdade, porque é a minha origem, tanto que quando eu recebi a ligação para vir aqui hoje, eu não pensei em duas vezes, eu vou vestindo o que me deu oportunidade de ser a pessoa que eu sou hoje, porque eu não sei como poderia ser a minha vida se não fosse essa trajetória, porque eu já vi que não é só uma opção de ter bastante conhecimento, então se eu não tivesse canalizado essa arte que Deus me deu, essa sabedoria que Deus me deu através da minha família, se eu tivesse canalizado nos caminhos legais mesmo, eu não conseguiria ser nem a raiz do meu bairro, para estar tendo essa oportunidade de falar aqui hoje, e eu vou defender essa bandeira que eu não sabia que tinha, que você me mostrou, para o resto da minha vida, e se eu puder, o que eu puder fazer pelo Morro Grande, eu faço, o que eu puder fazer pelo Morro Grande, eu faço, onde eu vou, eu falo com o maior orgulho que eu sou do Morro Grande, porque foi lá que eu aprendi tudo, eu aprendi tudo no Morro Grande, com as pessoas moradoras do Morro Grande, com as raízes do Morro Grande, meu primeiro técnico de futebol foi o Té, auxiliar técnico do Té era o Cacalo, o Cacalo tem a escolinha lá hoje, de esportivo, e o time era Esperança, primeiro time quando foi montado lá de criança era o Esperança. O Té era o técnico e o Cacalo era o auxiliar técnico dele, depois subi lá para a quadra ali em cima do Morro Grande, que é a quadra do índio, eu vi aquela quadra ser montada e o posto de gasolina ser montado, não tinha, aí eu passei a jogar bola com eles ali, então meu trajeto mudou, ponto final do Morro Grande, Rua Calcedônia e o Oswaldo Brandão, já começou, já o leque já começou a ampliar, ali no Morro Grande já conheci, já conheci alguns, mas aumentou o meu conhecimento com os meninos da Vila Iara. Então já desci mais, Vila Iara, aí já foi, a raiz já foi aumentando, Paquetá, Vila Zatt, aí mudou para Brasilândia, aí foi indo, foi indo, eu fui vendo, hoje graças a Deus eu posso falar assim que eu conheço todos os bairros que se pode falar aqui da Zona Norte, graças a Deus eu tive a oportunidade de passar em todos os bairros que eu conheço da Zona Norte e através de quê? Do Morro Grande, através do quê? Do Guaraú, através dos aprendizados que eu tive no Morro Grande, eu consegui andar tudo isso daí, tudo, graças a Deus, tudo, todos e todos, aí eu tive a oportunidade de conhecer o Gilberto, politicamente, assim, eu ouvi a primeira pessoa falar de política, aí mudou para Brasilândia, aí foi indo, foi indo, eu fui vendo. Hoje, graças a Deus, eu posso falar que eu conheço todos os bairros que se pode falar que é da Zona Norte. Graças a Deus eu tive a oportunidade de passar em todos os bairros que eu conheço da Zona Norte. E através do quê? Do Morro Grande. Através do quê? Do Guaraú. Através dos aprendizados que eu tive no Morro Grande. Eu consegui andar tudo isso daí. Tudo. Graças a Deus, tudo. Todos e todos. Aí eu tive a oportunidade de conhecer o Gilberto. Politicamente, assim, eu ouvi a primeira pessoa falar de política na minha vida, assim, foi o Gilberto. E eu comecei a entender o papel que ele tinha no bairro. Quando ele me falou, novão, não levei para mim. Mas depois que eu fiquei com mais uma visão, comecei a ver o negócio, eu vejo o papel importante que o Gilberto teve no bairro. E hoje eu me vejo na obrigação de ter um papel importante também. De ser uma voz para representar o bairro, de ser uma voz para conseguir levar algo para o bairro. Porque eu tenho certeza que se eu conseguir no bairro, é notório que todos os bairros abraçam a mesma guerra, abraçam a mesma oportunidade. Porque se levar uns projetos no Morro Grande ali, onde a gente consegue atingir toda a geração ali do bairro, principalmente as crianças ali do bairro, nós conseguirmos pôr um pólo ali, tenda, barracão, onde eu consigo colocar uma hora, duas horas, já faz um diferencial. Já faz um diferencial. Porque você vai ter a oportunidade de falar e de ensinar. E o falar vai pregar bastante na mente deles. Vai pregar muito na mente deles. Hoje a Bateria do Guaraú deve ter umas 23 crianças. 23 ou 24 crianças. Era só adultos. Hoje na Bateria do Guaraú eu tenho, acho que 12 mulheres. Só tinha homem. Eu tenho um projeto social. "Vou ali me dar uma cena, dar uma aula gratuita". "Não pode fazer isso aqui. Não, não". "Posso falar com o responsável que estou fazendo o favor?" "Ai não, mas não pode". Fazendo o favor eu posso falar com o responsável? Se eu falar com ele e ele falar que não pode, eu vou embora e nunca mais vou voltar aqui. Aí eu falo com o responsável, o responsável compra refrigerante, compra salgadinho, compra marmitex, dá até transporte para levar nós embora. Porque ele está vendo que a causa é boa. Nós estamos indo lá para atingir as crianças. "Ah, quanto você quer?". "Não quero nada. Eu estou vindo aqui". Amanhã ou depois direciono eles lá onde eu trabalho. Aí quando vai vir, vem um, vem dois. "Ah, eu estava lá, tio, num tal lugar, tio. Ah, eu estava ali, tio, num tal lugar que você foi lá, tio. Eu vim aqui mesmo". Aí você recebe um oi no Facebook, no Instagram. Você olha lá, não conhece. "Ah, oi, tudo bem? Ah, eu sou aqui num tal lugar da comunidade que você passou aqui. Você falou, como que faz para participar? Não sei o que lá. Vai eu e meu filho. Vai meus amigos. Então, a semente, ela vai sendo plantada. Ela vai sendo plantada". Então, se eu consigo plantar essas sementes, cada um num lugar, por que eu não posso plantar isso no bairro que você nasceu e criou? Eu já plantei, eu estou lá. Estou quietinho. Pingou. Passei pela bateria, pela Escolinha da Bateria do Vida Loka. Não tinha nada a ver. Eu passei pela Escolinha da Bateria do Vida Loka. Aí, fui receber um convite. Aí, dei uma volta. Caí no Guaraú. Caí no Guaraú. Falei, caramba. Então, eu vejo hoje o quanto minha vida anda de mão dada com o Bloco Guaraú. O quanto minha vida anda de mão dada com o bairro do Morro Grande. Anda muito presente. A minha raiz ali é a Estrada do Congo.
P/1 — Você não sabe a história?
R — Eu fico até chateado de não ter me aprofundado muito nessa história tão grande, referente ao bairro onde eu moro. Na verdade, eu tenho 20 irmãos por parte de pai. 20 irmãos por parte de pai. Minhas mães são três irmãs. E eu tive que fazer o quê? Eu tive que focar na percussão, na música. Eu tive que focar. Eu tive que focar totalmente nisso. Então, eu acabei deixando muito o conhecimento, algumas histórias do bairro. Hoje em dia, eu estou começando a ver mais. Estou tendo tempo para procurar saber. Indo aqui, vou nos amigos ali que tem os arquivos. Já estou começando a pegar. Porque era muito rua. Eu vivi muito na rua. Eu, dos 7 anos de idade até os 16, eu morando com meu pai, eu só vivi na rua. E quando eu fiz 16 anos, eu fui para o mundo. Então, eu sempre fui da rua. E com 16 anos, eu totalmente fiquei na rua. Fui morar com um amigo. Com 16 anos, fui morar com um amigo e nós fomos tentar a sorte. "Ah, porque nós novão. O pai e a mãe estão chatos. O pai e a mãe estão chatos e vamos para o mundão". Só que, graças a Deus, nessa que eu já era da rua, e quando eu fui totalmente para a rua, que eu saí do aconchego dos meus pais, do direcionamento dos meus pais tudo certinho, eu continuei na mesma linha de raciocínio ainda. Porque quando eu tive a oportunidade de ver o instrumento a primeira vez na minha vida, ele continuou presente na minha vida. Ele não me deixou desviar. Ele não me deixou fazer caminhos diferentes. O que eu vejo hoje muito é que, por exemplo, eu não me dediquei tanto ao estudo. Eu acabei não me dedicando muito ao estudo, de estudar, de procurar essa vertente para mim. Porque, como eu fiquei muito preso no prático, na música, de lá, dos mestres que passaram tudo na bateria do bloco, eu sempre estava presente com eles. Então, todos esses aprendizados que eu tive com cada um mestre, bobo eu, achei que eram suficientes para o mundo da música. Hoje eu vejo que não é, totalmente. Eu preciso de muito ainda, e eu estou procurando esses caminhos para estar totalmente encaixado nesse mundo. Mas o Morro Grande e o Bloco do Guaraú, assim, que eu vou estar sempre falando, é sempre grato. Primeiramente, esses dois me deu a vida. Nasci no Hospital da Freguesia. Quando eu tive a oportunidade de andar sozinho pela primeira vez na rua, que eu pulei o portão para ir para a rua, eu fui pra um OSEM. No OSEM, eu estava com os amigos para ir para tudo que é lugar, e eu vi um cara tocando instrumento. Já não quero ir para tudo que é lugar, eu quero ficar vendo aquilo ali chamou a minha atenção. Eu falei, não, eu vou ficar naquilo ali, eu vou ficar aqui. Não, vamos não, não vou não, eu vou ficar aqui. Aí, depois, eu dei um lanchinho lá, eu falei, agora eu vou sair daqui mesmo, eu vou ficar aqui, eu vou aprender isso daqui. Cara, e eu aprendi aquilo ali. E eu fiquei um ano, eu fiquei um ano, gente, nós ficamos um ano desfilando na rua de casa. Não sei se era para mim, se Deus direcionou aquilo para mim, mas eu carrego até hoje. Eu carrego até hoje. Vou mesmo nas comunidades, não tenho medo. Põe uma caixa, põe um estúdio de terceiro no meu instrumento, põe um repelique, põe umas baquetas lá, vou para Heliópolis, vou para Paraisópolis, vou para um monte de comunidade, chego lá, não conheço ninguém. Eu já vou no cara que eu vejo que é o cara que está fazendo alguma coisa, com o movimento dele, está estranho, eu vou nele. Ele vai pensar que eu quero alguma coisa, eu falo, não, amigo, eu só quero ver se eu posso descer com os instrumentos aqui, dar uma aula de percussão gratuita para as crianças. "Cara, mas pensei que você já queria isso". "Falei, não, não quero isso daí, não, só quero fazer isso daí só. Eu faço lá no meu bairro, faço assim" falo "Onde você é?" "Sou da Brasilândia". "Você é da Brasilândia" aí já chega "sou do Morro Grande". Porque a referência mesmo, quando se dava muito, não se falava Morro Grande, se falava Brasilândia. "Você vai para o bairro, onde você mora?" "Brasilândia". "Ah, não sei o que lá". "Brasilândia. Ah, Brasilândia". Hoje eu vejo assim, meu, como eu fui burro, né, meu? Caramba, né? É da hora você falar que é da Brasilândia, porque eu me considero muito da Brasilândia também, né? Mas por que eu não falava tanto do bairro que me formou, né? Que me projetou, querendo ou não, é a minha raiz. É o Morro Grande, então hoje eu não consigo falar assim. Onde você é? Sou lá do Morro Grande, da Brasilândia. Então eu já falo: "sou lá do Morro Grande, Brasilândia". Aí o cara já associa o local, porque às vezes você vai num lugar Morro Grande e muita gente ainda não sabe direcionar, dependendo do lugar que você está. "Ah, sou do Morro Grande, Brasilândia". Já foi. Já todo mundo conhece o nosso bairro, já. Já conhece o nosso bairro. E é muito bom lá. Tinha grupos de capoeira, não tem mais. O OSEM era muito lotado, não tem mais. Tem um lá, mas não está mais lotado, porque os pais não levam mais, ou os meninos não querem ficar mais no OSEM.
P/1 — Quais times de futebol ainda se manteve?
R — Manteve só o Guaraú, que tem até hoje. O time raiz da Ouro Verde, que é raiz de lá, não tem mais. O time… Hoje tem o Rua Oito, que é novo. Unidos do Morro Grande tem, que é um dos primordiais antigos lá, Unidos do Morro Grande, não tem como falar deles. Você já deve ter conversado com eles, tem. Tem, é raiz e eles sabem muito de lá. E se houver mais time, aí já começa a minha memória, é o que eu falo, foi tirando os campos, foi tirando isso, foi tirando os espaços físicos, que é onde tinha terra, foi tirando isso, foi tirando aquilo, foi fazendo o prédio. Aí as pessoas já foram começando a se distanciar, se distanciar, se distanciar. E hoje é hoje que a gente se vê aí. Hoje a gente se vê pouco mesmo, se vê pouco mesmo. Malemá numa feira, eles são, como eu falei.
P/1 — E quem faz samba lá no Morro Grande?
R — Hoje, hoje quem está arraizado bastante lá é o Samba do Congo, né? Balaio do Canjico, do Canjico. O Paulão, o Paulão ele é raiz lá também, ele é do Carolina, mas é do bairro, então é um cara que faz samba lá. Toninho Paraíba, que foi um dos meus mestres de bateria. O Dinda, grande compositor, são os raízes do bairro também que faz samba. Eu, né, que eu não aguento, estou sempre fazendo ensaio lá do bloco, estou sempre fazendo samba. Aí já começa a parar. Tinha o Grupo 24 Horas, que foi o primeiro grupo que teve lá, raiz do bairro. Teve o grupo do meu pai também, Kizomba, que era na época dele lá também. Era Kizomba, pra você ver que era o nome, que era raiz do bairro. Kizomba lá atrás. Aí se já começa, já vai fugindo já. Mas o time de futebol raiz mesmo do bairro, que tem até hoje, é só o Guaraú. Fez 50 anos agora, recentemente. Só o Guaraú. Só. Não tem mais. Assim, raiz, não tem mais. O time que tem lá hoje é tudo novo. Tudo novo. Mudou tudo.
P/1 — Bom, então para finalizar, se você quiser deixar uma mensagem.
R — Uma mensagem que eu deixo, uma mensagem que eu deixo assim, vou até me arrumar mais assim, acho que tudo que a gente tem que fazer na vida, mesmo que tenha dificuldade, você tem que abrir os olhos da alegria, entendeu? Fazer de coração que tudo muda. Porque eu era pra ser estatística, vou ser sincero, falar de coração, eu era pra ser estatística. Porque eu tive a oportunidade de conhecer todos e tudo no bairro. E eu tive a minha escolha. Eu não fui 100% certo. Eu tive minha vivência também de meus erros. Mas graças a Deus esses meus erros, ele me serviu pra me amadurecer, pra me crescer, pra me ter sabedoria. E graças a Deus, com a ajuda de Deus, eu consigo ajudar as pessoas. Então, ajude o próximo. Eu acho que é algo que você vai fazer e você nunca vai se arrepender de ajudar o próximo. Mas ajuda de coração. Faça de coração. Porque tudo que você faz de coração, o retorno é positivo. Se hoje eu estou tendo a oportunidade de falar aqui hoje é porque alguém fez de coração pra mim. Alguém acreditou em mim. Alguém fez com que eu visse o quanto eu era importante, não só pra minha vida, como pra vida das pessoas. Então, se torne importante pra você, mas não esqueça de se tornar importante pras pessoas. Porque dependendo de que uma pessoa acorde num dia, um oi seu, você salva a vida dela. Então, olhe pra frente e ajuda toda a gente. É assim. Eu sou assim, eu não consigo. É embaçado.